Ora veja. Em geral é uma luta contra mim mesma.
Porque, de repente - de repente? -, me tornei cidadã do mundo (tão clichê quanto essa expressão pode ser) e me sinto culpada por isso. Porque sempre fui baiana. Invariável, entranhada, orgulhosamente baiana. Soteropolitana e nordestina. Agora, cidadã do mundo.
E nem sinto mais tanta vontade assim de amar Salvador e etc e tal. Uma luta contra mim mesma, porque eu tenho que amar Salvador e etc e tal. Ou tinha que. Cidadã do mundo.
E penso em ir embora. Penso mesmo. Uma luta contra mim mesma, mas penso em ir embora. Porque quero outonos. Outonos principalmente. Mas também o parque do Retiro, sanduíche de calamares e metrôs. Mas poderiam ser cafés na esquina, pão de açúcar, horizonte enevoado, Ipanema e Leblon de bicicleta, metrô e ônibus com ar-condicionado. Veja bem, poderia ser o lado de cá do Rio da Prata, teatro Solís, Mercado del Puerto, parrillada, chivitos, medio y medio e etc e tal. E outono. Lutando contra mim mesma, penso em ir embora e ser cidadã do mundo curtindo outonos.
E aquela baianidade, invariável, entranhada e orgulhosa, me parece até meio ridícula. Tão ridícula quanto o catalanismo, o paulistanismo, o recifenismo, o estadunidismo, o europeísmo. Ridículo, porque, veja bem, por que eu não posso querer estar em qualquer lugar do mundo?
Martírio, eu sei, mas cidadã do mundo.
E que vença o melhor.