Eu quis me sentar e desfrutar dessa aula de flamenco. É o mal dessas coisas cibernéticas, não posso andar por aí com um blog de 3 quilos embaixo do braço... Assim que tinha como opções gastar algumas páginas do meu pseudo-moleskine - que já tem tantas anotações... - ou pegar a caneta e, romanticamente, anotar tudo num guardanapo.
Não poderia perder o momento, de modo que me sentei no primeiro café que vi à saída da classe de flamenco. Verdade que queria sentar rápido, já que me dói um pouco a coluna da postura imponente que assumi para bailar hoje, mas é uma dor de rogozijo também...
Estou tão animada e esfuziante que acabo de agradecer ao "camarero":
muchísimas gracias. "Muchísimas gracias" por um café preto, simples, sem nada demais. Ele nem havia me sorrido especialmente, mas eu estava no clima de pedir "muchísimas", e não apenas "gracias". Assim foi.
Fato é que comecei na semana passada as minhas aulas de flamenco. De cara já tinha adorado a escola - a única das quatro que visitei que era de flamenco mesmo. As outras eram salas alugadas para uma aula ou outra e em todas bati com a cara na porta por não ter ido no horário exato das aulas.
* Pedi um croissant. Acabou de sair do forno e eu tirei agora o primeiro pedaço. Croissants de verdade merecem um post à parte...*
A escola - e a professora - se chama
Flora Albaicín. Só pra começar, Albaicín é o bairro mais tradicional de Granada - que, por sua vez, merece vários posts... A escola é recheada de motivos flamencos, quadros na parede, troféus em forma de sapato de flamenco, instrumentos, o vestiário lotado de saias de diversas cores e modelos. Quando fui me matricular me perguntaram se eu já tinha feito flamenco anteriormente, se havia feito outros tipos de dança, teatro, canto, se tocava algum instrumento... Eu "passei". Agora sou aluna dessa escola. Uma escola que inspira, transpira, exala, soa flamenco.
Flora, a professora, também. Postura. Tem gracia, como eles dizem por aqui. Linda.
Aí que hoje fui à aula e ela lá, no tablado particular dela, acima, superior, nos instando a deixarmos aflorar o nosso flamenco, a nossa gracia, o flamenco que há em cada uma de nós, pessoal, único, particular. Assim ela nos disse.
Fomos.
Inspirada como estava, me empertiguei toda, botei o "carão" mesmo, dancei, bati o pé, braço, ¡fuerza!
À essa altura, apesar dos braços doídos, da coluna, dos pés já desacostumados ao sapateado depois de 4 meses, eu já estava entregue. E o que se seguiu... Não precisava tanto, sabe!?
Bem, entra o recepcionista (meio esquisito) e deixa metade da sala à meia-luz. Acende um pequeno holofote vermelho apontado para o meio da sala. Para nós. Eu seguro a onda, até para que ele, que desconfiou de mim, que tanto me questionou antes, pudesse agora ver que eu sei, sim, bailar flamenco. Ele sai.
Ele volta. Desliga o som, faz alguns ajustes. Uma cadeira. Um microfone. Eu bato palmas: um-dois-três-quatro-um-dois-três-quatro. Os tangos. Estalo os dedos. Ojos a la derecha (um-dois-três-quatro), ojos a la izquierda (um-dois-três-quatro). Sapateado. Ele sai.
Ele volta. Atrás dele, outro. Flora fala. O outro senta. Nos preparamos. O outro se prepara. A um comando de voz de Flora, a guitarra soa. A guitarra espanhola, a guitarra gitana soa ao meu coração. Me desconcerto, parada. Flora segue: uno-dos-tres-cuatro-uno-dos-tres-cuatro. Eu, parada, esperando o início da coreografiazinha que havíamos acabado de ensaiar. Desconcertada. Os olhos marejam (como voltam a marejar agora...) e eu acho que vou sucumbir, não vou aguentar. Penso: quantas pessoas devem ter caído em prantos naquela sala, ao som daquela guitarra? Como as outras, as colegas, devem estar se sentindo agora? Será que alguém se sente assim como eu?
"Uno-dos-tres-cuatro-uno-dos-tres-cuatro", Flora diz. "¡Vamos!", ela diz.
Eu respiro fundo, empertigada mais uma vez, postura, coluna, braços. E penso: "¡olé!".
Um-dois-três-quatro-um-dois-três-quatro-um-dois...