quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sem ressaca

Isso não costuma acontecer, de eu emendar um livro em outro assim, na mesma noite. Geralmente fico um tanto quanto ressaqueada e gosto (ou não gosto?) de ler vagarosa e atentamente aqueles últimos parágrafos - enquanto sinto a mão esquerda pesando mais do que a direita - e, em seguida, fechar o livro lentamente. Aí olho para ele e finjo que o analiso de todos os ângulos, e viro o livro, e olho desde cima, dou uma última folheada, mas, em verdade, levo esse tempo pensando nas páginas que vinham me acompanhando, nos personagens, nas situações, em mim.

Em geral preciso de uns dias, quiçá uma semana, para engatar numa nova leitura. É um tempo de recuperação, um assentamento das ideias, um ruminamento, às vezes um luto. Ressaca.

Mas com esse não foi assim.

Hoje matei as minhas saudades da Biblioteca Jaume Fuster e voltei com quatro livros debaixo do braço. Leves, alguns até românticos. Talvez porque Auschwitz, por si só, já são 400 páginas de ressaca. A cada vez que fechava o livro já eram horas de reflexão, angústia, tristeza, pesar. Sofre-se com tudo o que se passa a saber e, talvez mais ainda, com tudo o que, decerto, não se vai saber nunca.

E, assim, a dez páginas do final, precisei respirar Benedetti só um pouquinho, suspirar Beauvoir, a feminista e a apaixonada, folhear Calvino. E como num último suspiro, venci as dez últimas páginas já sabendo que não há final feliz. Não há final.

E fecho o livro, não tão lentamente, sem contemplação. Laurence Rees me roga que não esqueça - e eu não vou esquecer -, mas agora preciso que Simone me devolva a leveza com suas cartas a Algren ou que me ensine a ser mulher com suas memórias.

Sem ressaca.

Porque há coisas que não precisam ser digeridas. Devem ficar, para sempre, entaladas na garganta.