sexta-feira, 23 de abril de 2010

Para os incrédulos

Hoje (dia 23. Ontem para mim. Para vocês ainda é hoje...) é aniversário de Juan.

Para quem não acredita nas minhas habilidades culinárias, cozinhei um risoto de açafrão com camarão que ficou daqui, ó. Da pontinha da orelha. Aprovado por importantes representantes do continente sul-americano. Argentina, Colômbia e Uruguai - à parte de Brasil - dizem amém.

O açafrão é puro, en rama, original, comprado em Consuegra.

Sobrou.

Quem quiser, faça fila.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Da série: desafios en España

- Passar no DELE Superior. Sabe Deus por que eu me inscrevi no superior. Tem um nível intermediário - e eu gastei 15 euros a mais -, mas eu me inscrevi no superior. E eu nem sei pra que cargas d'água vou usar o tal diploma. Bem, já passa de um mês que estou de "férias", devo estar precisando de algo para me estressar mesmo... Tenho um mês pra estudar. Vocês (três) iam se incomodar de ler isso aqui em espanhol, por acaso?

- Voltar tendo lido El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha. Em espanhol, claro. Entendam, é espanhol arcaico, não uma versão infantil qualquer. Eu li o Senhor dos Anéis em inglês e, depois do DELE Superior, sei que sou capaz (pensamento positivo sempre!).

- Não engordar um grama sequer, mesmo nem sempre conseguindo resistir a todos os kit kats que insistem em PULAR no meu caminho, muitas vezes impedindo a minha passagem. É verdade! Eu juro!

*Olha que coisa são os traumas: nos dias em que abuso e como kit kat E croissant, eu efetivamente sinto minha bunda mais gorda. Aquele mesmo sentimento gordo de outrora. Gente, É HORRÍVEL! Pero no se preocupen, eu não atualizei as fotos não foi porque já engordei zil quilos, foi preguiça mesmo... As roupitchas todas cabem!*

- Começar a correr, porque não vou pagar academia (já basta o flamenco...) e o verão tá chegando!

- Passar a acordar antes da uma da tarde. Na minha cachola, uma da tarde é o novo dez da manhã, e não posso mais usar o discurso balela de adaptação ao fuso-horário, relógio biológico e afins. Tudo bem que aqui tem toda uma coisa louca com horários que vou explicar em post oportuno... Bem, de todo modo, acordar mais cedo é condição para alcançar as metas anteriores.

Pessoal, apoio moral aí! Para o alto, e avanteee!!

***

Atualização (porque dizer update é o fim!):

- Aprender a fazer minhas próprias unhas y otras cositas más.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Da série: música e pequenos prazeres

Eu estava no ônibus Barcelona-Madrid. Bom ônibus. Tem até uma daquelas entradas pra fone de ouvido - oferecimento TAM, mas leve o seu fone - e oito estações de rádio.

*Eu adoro música. Adoro mesmo. E adoro rádio, que as músicas já vêm escolhidas, prontinhas pra você. Sou uma negação em fazer um set-list. Passo mais tempo em dúvida sobre o que quero ouvir no meu mp3 super moderno (capaz de rodar em DOS) do que efetivamente ouvindo as músicas. Assim que ter um radinho no buzu me livra de passar horas tensa e gastando a bateria do mp3 sem conseguir decidir o que ouvir - sem contar que, no final, sempre ouço as mesmas coisas (já falei que tenho monomania?): Jorge Drexler e a trilha sonora de Amelie Poulain.*

Dessa vez, só três das oito estações do rádio funcionavam. Uma delas passando futebol. Outra, músicas bregas americanas. Essa última eu ouvi um tempinho; Cindy Lauper, Roxette, Celine Dion e outras do mesmo naipe. Confesso que tive vontade de cantar. Alto.

Mas parei mesmo na terceira estação: música clássica.

Tava tocando Beethoven, concerto para violino, opus 32.

Mentira. Não faço a mínima idéia do que estava tocando. Tampouco sei se isso aí em cima poderia ser o nome de qualquer coisa, inventei só pra fingir que sabia alguma lhufa de música clássica. Não sei. Quer dizer, sei que é bom. Só.

Fato é que eu estava demorando a pegar no sono (Madrid-Barcelona = 8 horas de buzú...). Pensei, então: "Vou rezar, né?! Sempre dá certo e, no meio da reza, eu pego no sono, mesmo... E ainda purifico a alma".

Ato contínuo, ainda com os fones enfiados nos ouvidos, pensei mais: "rezar?".

"Pra que rezar, se essa música é a melhor tradução da oração?"

quarta-feira, 14 de abril de 2010

De sonhos, comidas e saudades

Acho nada a ver sentir saudade de comida tendo só um mês fora do Brasil. E olha que eu sou azeite de dendê adicta, doente por moqueca, fã de acarajé (e defensora das suas propriedades medicinais, a exemplo de cura-ressaca e etc e tal), sarapatel, vatapá, buchada, huuuummmmmmm!!!!

* A imagem sou eu embaixo da mesa, no melhor estilo Ana Maria Braga.*

Aqui tem paella. Melhor, aqui tem açafrão. E eu sou capaz de comer açafrão por dias e dias a fio, sem reclamar. Quer dizer, sou capaz de comer açafrão por dias e dias a fio e terminar o prato esperando ansiosamente que chegue o almoço do dia seguinte para que eu possa comer açafrão de novo (a Camarão & Cia, que me tirou o prazer do arroz de açafrão com camarão, que o diga).

Só que, devo confessar, esses dias sonhei com uma coxinha natural da Perini. Valhei-me, meu Senhor do Bomfim, que nem foi com acarajé que eu sonhei! Uma coxinha natural da Perini! Aquela capinha, aquela cartilagenzinha, aquela coxa de galinha suculenta, aaaaiiii!!!

Não entendi. De todas as comidas que eu poderia (mas não deveria) sentir falta, foi justamente com a coxa natural da Perini que eu fui sonhar? Sabendo que poderia ir até a esquina e pedir uma paella, ou sentar e pedir umas tapas, tomando una clara ou un tinto de verano, ou comer cereais de fruta e fibra, ou tomar café e comer croissants, ou, melhor de tudo!, mastigar um punhado de açafrão PURO, se eu quiser, tudo o que queria era coxa natural da Perini. Nem fazia questão do milk-shake-super-grosso-com-calda-fria-de-chocolate, a coxa natural me bastava.

* Um minuto de silêncio pela coxa natural da Perini que só comerei dentro de um ano. *

Daí que estou assim, abstêmica e deprimida, tentando substituir a coxa natural por um outro qualquer. Muitos de vocês, assim como eu, devem saber que isso não é fácil, fingir que ama um quando, na verdade, só pensa em outro. Mas essa é a vida e eu tenho que ser forte.

Coxa natural, o que a gente tem é especial e só nós sabemos o que vivemos aqui dentro. Por favor, espere por mim. Espere por mim fora da casa.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Curtas

- Antes de vir, minhas maiores preocupações eram: como fazer as unhas? E a depilação? (...) Essas seguem sendo as minhas maiores preocupações.

- Onomatopéia para boi em espanhol: ¡ññuuuuuu!

- Perguntada se ainda volta pro Brasil depois de quase seis anos na España, ela responde: -Eu tenho muita bagagem...

- Estou desacostumada a ser pobre. Esse negócio de ficar contando "nicas" não é comigo.

- Sabe aquela cream cracker que você abriu e não comeu o pacote inteiro? No te preocupes, não precisa colocar num pote hermeticamente fechado. Aqui, ela não amolece. Essa é uma prova dos nove a ser tirada no verão, quando - dizem - é mais úmido.

- Adoro quando me apresento e digo que sou de Salvador. Eles perguntam: - Salvador de Bahía? Que lindo chamar de Salvador de Bahía!

- Adoro também quando eles se referem aos 'estadunidenses'. Não 'americanos', 'estadunidenses'. Ponto para a Espanha.

Dos guardanapos (ou: Aqueles que salvaram a minha lavoura)

Tive que adotar os guardanapos. Por quatro motivos:

1. Não me ocorrem ideias, ou sequer vontade, de escrever em casa, ao computador.

2. Não quero levar o diário - que não tem três quilos, mas é pesado também - na bolsa para cima e para baixo. Já me basta a câmera fotográfica...

3. Me pego atravessando a rua e anotando coisas no Moleco - o nome desse meu pseudo-moleskine reciclado que serve pra tudo, desde listas de supermercado até pensamentos amalucados. A propósito, esse é o nome dele de verdade, tá escrito na contra-capa: "Moleco, seu caderno de bolso ecológico". Como não quero morrer atropelada e minha mãe vai se desesperar só de ler esse post (tá vendo, mãe? Aqui não tem - por enquanto - aquele terrível perigo de eu entrar no mar, mas eu arranjo outro jeito de viver a vida perigosamente!). A propósito 2: eu fiz isso atravessando a rua na faixa de pedestres, durante o sinal fechado. Que isso fique bem claro.

4. Os cafés, por si só, pedem uma das duas: alguma leitura interessante ou algum escrito interessante. Valeria uma companhia interessante também, mas estou partindo do pressuposto de estar em um café sozinha. Tenho levado um livrinho pequeno na bolsa, mas, às vezes, eu quero mesmo é escrever.

Que seja nos guardanapos, então.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

De nós na garganta e brilhos nos olhos

Eu quis me sentar e desfrutar dessa aula de flamenco. É o mal dessas coisas cibernéticas, não posso andar por aí com um blog de 3 quilos embaixo do braço... Assim que tinha como opções gastar algumas páginas do meu pseudo-moleskine - que já tem tantas anotações... - ou pegar a caneta e, romanticamente, anotar tudo num guardanapo.

Não poderia perder o momento, de modo que me sentei no primeiro café que vi à saída da classe de flamenco. Verdade que queria sentar rápido, já que me dói um pouco a coluna da postura imponente que assumi para bailar hoje, mas é uma dor de rogozijo também...

Estou tão animada e esfuziante que acabo de agradecer ao "camarero": muchísimas gracias. "Muchísimas gracias" por um café preto, simples, sem nada demais. Ele nem havia me sorrido especialmente, mas eu estava no clima de pedir "muchísimas", e não apenas "gracias". Assim foi.

Fato é que comecei na semana passada as minhas aulas de flamenco. De cara já tinha adorado a escola - a única das quatro que visitei que era de flamenco mesmo. As outras eram salas alugadas para uma aula ou outra e em todas bati com a cara na porta por não ter ido no horário exato das aulas.

* Pedi um croissant. Acabou de sair do forno e eu tirei agora o primeiro pedaço. Croissants de verdade merecem um post à parte...*

A escola - e a professora - se chama Flora Albaicín. Só pra começar, Albaicín é o bairro mais tradicional de Granada - que, por sua vez, merece vários posts... A escola é recheada de motivos flamencos, quadros na parede, troféus em forma de sapato de flamenco, instrumentos, o vestiário lotado de saias de diversas cores e modelos. Quando fui me matricular me perguntaram se eu já tinha feito flamenco anteriormente, se havia feito outros tipos de dança, teatro, canto, se tocava algum instrumento... Eu "passei". Agora sou aluna dessa escola. Uma escola que inspira, transpira, exala, soa flamenco.

Flora, a professora, também. Postura. Tem gracia, como eles dizem por aqui. Linda.

Aí que hoje fui à aula e ela lá, no tablado particular dela, acima, superior, nos instando a deixarmos aflorar o nosso flamenco, a nossa gracia, o flamenco que há em cada uma de nós, pessoal, único, particular. Assim ela nos disse.

Fomos.

Inspirada como estava, me empertiguei toda, botei o "carão" mesmo, dancei, bati o pé, braço, ¡fuerza!

À essa altura, apesar dos braços doídos, da coluna, dos pés já desacostumados ao sapateado depois de 4 meses, eu já estava entregue. E o que se seguiu... Não precisava tanto, sabe!?

Bem, entra o recepcionista (meio esquisito) e deixa metade da sala à meia-luz. Acende um pequeno holofote vermelho apontado para o meio da sala. Para nós. Eu seguro a onda, até para que ele, que desconfiou de mim, que tanto me questionou antes, pudesse agora ver que eu sei, sim, bailar flamenco. Ele sai.

Ele volta. Desliga o som, faz alguns ajustes. Uma cadeira. Um microfone. Eu bato palmas: um-dois-três-quatro-um-dois-três-quatro. Os tangos. Estalo os dedos. Ojos a la derecha (um-dois-três-quatro), ojos a la izquierda (um-dois-três-quatro). Sapateado. Ele sai.

Ele volta. Atrás dele, outro. Flora fala. O outro senta. Nos preparamos. O outro se prepara. A um comando de voz de Flora, a guitarra soa. A guitarra espanhola, a guitarra gitana soa ao meu coração. Me desconcerto, parada. Flora segue: uno-dos-tres-cuatro-uno-dos-tres-cuatro. Eu, parada, esperando o início da coreografiazinha que havíamos acabado de ensaiar. Desconcertada. Os olhos marejam (como voltam a marejar agora...) e eu acho que vou sucumbir, não vou aguentar. Penso: quantas pessoas devem ter caído em prantos naquela sala, ao som daquela guitarra? Como as outras, as colegas, devem estar se sentindo agora? Será que alguém se sente assim como eu?

"Uno-dos-tres-cuatro-uno-dos-tres-cuatro", Flora diz. "¡Vamos!", ela diz.

Eu respiro fundo, empertigada mais uma vez, postura, coluna, braços. E penso: "¡olé!".

Um-dois-três-quatro-um-dois-três-quatro-um-dois...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Dos sotaques

A gente sabe que está pegando o jeito de um novo idioma quando começa a reconhecer os diferentes sotaques.

Até alguns dias atrás, eu sabia que algumas pessoas eu tinha mais facilidade e outras mais dificuldade em entender. Sabia também que essas pessoas eram de diferentes lugares, de diferentes países, de diferentes regiões. Mas ouvir um sotaque é muito mais do que isso.

So-ta-que.

Só de pronunciar devagarinho a palavra já dá uma quenturinha, um risinho por dentro.

Ouvir um sotaque é ouvir o canto, ouvir a ginga, ouvir o ritmo, a cadência. É identificar um povo pelos ouvidos, achar que aquilo lhe soa bem ou lhe soa mal. É gostar de cara de alguém só por causa daquele jeitinho de falar. É, às vezes, antipatizar uns e outros também. É rir por dentro de ouvir tantos e tantos "cachay?!" e sentir medo de ser cuspido a cada pronuncia de um C ou de um Z. É se surpreender por haver, por trás do acento forte e da voz rouca, uma pessoa doce.

Hoje eu identifiquei o meu primeiro sotaque, conversei malemolentemente com uma colombiana.

Hoje eu me orgulhei, mais uma vez, por ter o meu acento confundido com o dos hermanos argentinos - palavras de uma catalã.

Sigo com minha baianidade, que o meu "colé de merma" eu não perco nunca, mas adestrando os ouvidos para prestar atenção aos sons do mundo lá fora...